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O impacto da pandemia no Ensino e Formação Profissional:

Desafios e obstáculos em Portugal

 

 

O Ensino e Formação Profissional (EFP) em Portugal é marcado pela procura crescente do ensino técnico-profissional na década de 1960, tendência reforçada na década de 1980 e consolidada em 2004 aquando da Reforma do Ensino Secundário, posicionando o EFP em destaque no sistema educativo português[i]. Segundo a OCDE (2018), esta tendência mantém-se, estando Portugal “atualmente a apostar fortemente no ensino profissional como alternativa ao percurso educativo mais tradicional. De facto, a meta proposta aponta para uma divisão equitativa dos alunos do ensino secundário pelos dois percursos”[ii]. Contudo, os efeitos da pandemia COVID-19 estão a revolucionar a forma como o EFP é abordado e implementado em Portugal e no mundo.

 

Efeitos da pandemia no EFP

Face ao cenário de saúde pública que o mundo enfrenta com o aparecimento do COVID-19, não havendo ainda previsões sobre a forma como a pandemia irá evoluir no futuro a curto/médio prazo, o EFP reorganizou-se em Portugal, em sintonia com as políticas da União Europeia (UE), para dar resposta aos obstáculos e desafios identificados em cinco grandes áreas, a saber:

Figura 1: As cinco áreas do EFP pós-pandemia – obstáculos e desafios identificados

 

No que diz respeito ao teletrabalho em Portugal, este teve uma diminuição de 31,1% em 2020 para 20,1% em 2021, sublinhando o INE (2021) que a “pandemia COVID-19 como justificação para trabalhar a partir de casa, [diminuiu] de 29,6% em 2020 para 17,5% em 2021”[iii].  A fase em que o teletrabalho teve mais adesão no país foi no segundo trimestre de 2020, com cerca de 1 milhão e 94 mil trabalhadores (23,1%) da população total empregada a trabalhar a partir de casa. Contudo, e quando comparado com a realidade dos outros países da UE, com cerca de 50% dos trabalhadores em regime de teletrabalho, é apontada uma nova tendência no mercado de trabalho caracterizada pela transição para o teletrabalho por parte de trabalhadores mais qualificados e a residir em zonas urbanas em detrimento de quem possui baixas qualificações e reside em contexto rural (Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, Eurofound, 2021)[iv]. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), antes da pandemia cerca de 260 milhões de trabalhadores encontravam-se em regime de teletrabalho, sendo 147 milhões mulheres (56%), sendo também quem melhor aderiu ao teletrabalho quando comparado com o sexo masculino (cerca de 11,5% para 5,6%)[v]. Contudo, a pandemia afetou particularmente as mulheres nos setores de serviços com baixa remuneração (Eurofound, 2021). Além disso, a pandemia teve um impacto maior na população entre os 25 e os 54 anos de idade, em particular trabalhadores independentes, que viram o seu horário de trabalho reduzido.

 

Quanto à aprendizagem a distância, o EFP tem vindo a adotar estratégias de forma a contribuir para a revolução do paradigma educativo que caracteriza Portugal. De acordo com a Fundação Francisco Manual dos Santos (FFMS), num artigo que reúne cinco investigadores portugueses, Portugal enfrenta a pandemia em desvantagem face aos outros países europeus uma vez que “uma em cada quatro das habitações (…) tem problemas de infiltrações ou humidade, cerca de 13% não tem aquecimento e 16% estão sobrelotadas. Uma realidade amplificada nas famílias monoparentais ou numerosas, onde a falta de rendimento, ou a falta de espaço, se acentuam”. As assimetrias regionais são também alvo de análise, destacando a Região Autónoma da Madeira e o Algarve, em que “praticamente metade das habitações onde vivem crianças têm problemas de infiltrações e humidade e no Algarve 2,5% das crianças vivem em casas sem duche”[vi]. A esta realidade socioeconómica, junta-se o nível de habilitações dos portugueses, apresentando-se Portugal como o segundo país com o maior número de população ativa sem o ensino secundário concluído (52%), sendo a média da UE de 22,5%[vii]. No entanto, Portugal registou “uma rápida expansão do número de agregados familiares com acesso à Internet, com um aumento de 17-23 pontos percentuais entre 2013 e 2018”, embora nas zonas rurais o acesso seja menor e quando comparado com a UE ainda esteja abaixo da média dos outros países europeus (Eurostat, 2020)[viii].

 

No que diz respeito à literacia digital[ix], em 2021, o Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade da UE[x] colocava Portugal no 16º lugar face aos 27 Estados-Membros, sendo a aquisição de competências digitais inferior à média da UE, “mas a percentagem de indivíduos com competências digitais mais avançadas superior à média. A percentagem de mulheres especialistas em TIC é superior à média da UE”.

 

A necessidade de promover uma maior literacia digital prende-se, também, com novas abordagens no desenvolvimento de conteúdos em contexto de e-learning, que terão de ter em conta os diversos dipositivos disponíveis como, por exemplo, o telemóvel e o iPad. Conceitos como a flexibilidade e descentralização são centrais no modelo de e-learning que a pandemia trouxe. Quanto à flexibilidade na aprendizagem, os modelos síncronos e assíncronos de ensino passaram a ser equacionados, bem como o modelo híbrido, com recurso a plataformas como o Zoom ou o Moodle, sublinhando a flexibilidade no tempo e no espaço, a autonomia, a interação e a colaboração (UA 2015)[xi]. No que diz respeito à descentralização do conhecimento, os MOOCs (Massive Open Online Course) tornaram-se um recurso privilegiado na primeira fase da pandemia, quer para os estudantes cujos cursos foram interrompidos ou reformulados, quer para os professores e/ou formadores que procuraram recursos e ferramentas online, quer para os desempregados ou pessoas confinadas que procuraram desenvolver novas competências (MIT 2021)[xii].

Finalmente, a pandemia trouxe uma nova abordagem às práticas de aprendizagem em contexto de trabalho no EFP, em particular a monitorização e avaliação de competências que se traduz na verificação e atribuição de qualificações académicas e profissionais num período em que os estágios foram suspensos ou adiados. Como planear a aprendizagem no trabalho quando o modelo se torna híbrido ou exclusivamente online? Que estratégias se podem replicar e que competências são necessárias para quem nas Organizações tem por função planear esta aprendizagem?

 

Desafios e obstáculos para o futuro do EFP

  • A digitalização do EFP tem de levar em conta os contrastes do país, sob risco de excluir quem não tem acesso às tecnologias de informação, num olhar atento para a dicotomia espaço rural/espaço urbano.
  • Dotar os trabalhadores empregados e desempregados de competências adequadas ao mercado de trabalho contemporâneo (i.e., literacia digital), com enfoque no grupo etário mais fragilizado pela pandemia (i.e. 25 a 54 anos). A Eurofund (2021) refere a necessidade de se desenvolverem medidas urgentes a nível das políticas públicas no que diz respeito às políticas do mercado de trabalho para mitigar a crise e evitar o aparecimento de uma nova “geração perdida” na faixa etária em questão.
  • Promover a aprendizagem de competências laborais com enfoque na digitalização e trabalho remoto, privilegiando o planeamento e implementação das tarefas (filosofia que caracteriza o EFP), tendo em conta que “cerca de 700 mil trabalhadores terão de alterar a sua ocupação ou adquirir novas capacidades até 2030. Este é fundamentalmente o grande desafio colocado pela automação” (Nova SBE/CIP 2019)[xiii].
  • Organização da aprendizagem à distância: síncrona, assíncrona, acesso livre, híbrida.
  • Delinear estratégias de saúde pessoal e organizacional de forma a potenciar uma aprendizagem saudável e sustentável.
  • Inclusão dos estagiários no processo de aprendizagem em contexto de trabalho, desenhando novos modelos de monitorização e avaliação do desempenho.
  • Comunicação entre os diversos atores do sistema de aprendizagem: instituições de EFP, formandos/estudantes e redes familiares, entidades empregadoras/mercado de trabalho.
  • Desenvolvimento de conteúdos e-learning com recurso a métodos e técnicas pedagógicas que equacionem a aprendizagem autónoma e em contexto presencial, adotando preferencialmente um modelo híbrido que permita dar resposta a uma eventual nova vaga pandémica.
  • Em Portugal destaca-se a medida de apoio a grupos vulneráveis com o retorno da Telescola, do ensino básico ao secundário, ensinando com recurso à televisão em paralelo com o EFP digitais.
  • O EFP pode tornar-se sinónimo de integração no mercado de trabalho de trabalhadores com baixas qualificações (Cedefop 2021), não contribuindo para a aprendizagem ao longo da vida, característica do EFP, ou para a alteração do panorama educacional no país.

 

Xénia de Carvalho

Estudos e Projetos
Unidade Inovação e Negócios

xenia.carvalho@cecoa.pt

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[i] In https://core.ac.uk/download/pdf/233630798.pdf

[ii] In https://www.edulog.pt/storage/app/uploads/public/5ee/94a/b74/5ee94ab7440cb365019630.pdf, p. 18.

[iii] In https://ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=473557834&DESTAQUESmodo=2

[iv] In https://www.eurofound.europa.eu/sites/default/files/ef_publication/field_ef_document/ef20050en.pdf

[v] In https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---ed_protect/---protrav/---travail/documents/publication/wcms_765806.pdf

[vi] In https://www.ffms.pt/blog/artigo/506/o-ensino-a-distancia-num-pais-desigual-e-pouco-qualificado

[vii] Segundo os investigadores, “há uma forte correlação entre a acumulação de anos de ensino e a qualidade das aprendizagens, e o rendimento ao longo da vida ou a saúde física e mental do individuo, mas também o próprio crescimento económico” (Ibid).

[viii] In https://ec.europa.eu/eurostat/statistics-explained/index.php?title=Archive:Estat%C3%ADsticas_da_economia_e_da_sociedade_digital_-_agregados_familiares_e_indiv%C3%ADduos&oldid=503099#Acesso_.C3.A0_Internet . Refira-se que os custos associados ao acesso à internet foram mencionados como sendo um dos obstáculos em Portugal (in https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/desi)

[ix] Para informações sobre a política de transição digital portuguesa, consultar https://www.incode2030.gov.pt/en/documents-publicationshttps://portugaldigital.gov.pt/wp-content/uploads/2020/04/plano-acao-para-transicao-digital-20200420.pdf

[x] In https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/countries-digitisation-performance

[xi] In https://www2.uab.pt/producao/eBooksArea/OQEDeL.pdf e https://www.scielo.br/j/es/a/bzKxvBxsqZ6DDPXsQRTtXQQ/?lang=pt&format=pdf

[xii] In https://news.mit.edu/2021/studying-learner-engagement-during-covid-19-pandemic-1116

[xiii] In https://cip.org.pt/wp-content/uploads/2019/10/Relat%C3%B3rio-FoW_NSBE-CIP.pdf





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